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Wéstōr e Gʷénā

Quando Wéstor viu Gʷenā pela primeira vez, sentiu-se desorientado, como se tirado da linha do tempo, e esparramado como uma linha paralela a ela, e como se sua existência já não mais diferisse da daquela linha. Então muitas coisas percebeu concomitantemente: Ouviu os pensamentos de Deus sobre a Idéia, e como esta foi posta em som, e como o som ressôu pelos abismos imensuráveis do caos primevo, vibrando num tom grave e constante; em seguida viu a Beleza sendo lapidada, e manuseada e transposta em matéria pelo Demiurgo; então viu o instante logo anterior à visão de Gʷenā, mas tudo sendo translúcido e diáfano, como se fosse a alma daquela cena, e o instante seguinte, quando seus olhos a encontraram, ouviu um ruído tão sonoro quanto cem mil cavalos percorrendo uma grande pradaria; depois sentiu como se algo lhe explicasse do motivo e origem das coisas que viu, e para toda a explicação só foram necessários compasso e esquadro, e pontos, e linhas, e curvas, e círculos, todos postos num certo lugar, por uma certa e elegante razão; viu primeiro tanger da primeira harpa, e do tom daquela corda viu derivarem todas as músicas belas que viriam a ser compostas, todas harmônicas entre si; e sentiu todos seus sentidos afetados pela dita harmonia, ao ponto de se crer permeável por qualquer coisa, afetável por qualquer ente externo; então choveu, e percebeu os músicos ainda tocando suas belas obras, e o harpista indiferente à chuva, e os cavalos todos calmos, recebendo a chuva serenamente, tão serenos a parecer que eram os mais estóicos dos seres; viu vulcões ativos, chamas que se consumiam em si, e outras cristalizadas pela eternidade, e depositadas em si próprio; contemplou-se a si naquela epifania, junto com todos os seus eus futuros revisitando aquele marco na memória, e parlamentou com eles até chegarem numa conclusão tão perfeita que não se poderia lembrar dela; e finalmente, depois de tantas belas coisas sentidas, perguntou-se se era realmente Gʷenā a origem de tudo o que viu, ou somente o estímulo para que ele se tangesse como a corda da harpa.


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